[Resenha] Felicidade clandestina – Clarice Lispector

Mas afinal, onde está a felicidade?
Felicidade Clandestina, o mais famoso livro de contos de Clarice, responde à pergunta assim meio a esmo, como quem solta um comentário em entrelinhas; e o assunto principal se torna finalidade última.
Angústia da alma, pressão social, pontos positivos e negativos do amor e do amar – são alguns dos temas que Clarice tenta desvendar em personagens com poucas descrições físicas e muitas emocionais; e eu escolho dos 25, 3 contos, que não são os principais do livro, pois todos têm grandes qualidades, sendo impossibilitados de serem divididos por qualidade, mas são contos onde a mensagem é explícita, sambando na cara do leitor, se entregando nua.

-Felicidade Clandestina: conto que dá nome ao livro, fala da infância de uma menina no Recife, que invejava a garota com pai dono de livraria – garota que detestava ler, ao contrário de nossa personagem principal.
A epifania começa quando nossa pequena leitora descobre que a garota invejada possui o livro Reinações de Narizinho e promete emprestá-lo. Então a garota, sabendo o que possuí, começa a demonstrar sua maldade: toda vez que a menininha bate à sua porta, ela diz que o livro não está. Então, incessantemente a menininha retorna todos os dias, pela manhã e pela tarde, mas a maldade da outra é maior, enganando-a.
O que notamos é a felicidade por expectativa: a da leitora, que sonha com o livro e da garota ruiva, que possui a expectativa de continuar com sua maldade. O que seria maior então? A felicidade presente no bem ou a felicidade presente no mal?

-A legião Estrangeira: em a legião estrangeira vemos o amor demasiado que sufoca. E nada peculiar é a maneira como vem representado – uma mulher, uma garota e um animal.
Já no começo do conto conhecemos Ofélia, pouco conhecida pela mulher, mas uma alma compreendida.
Ofélia é uma garota que fala como gente grande, trazendo verdades absolutas com seus “portanto”. E assim são às tardes: a mulher batendo à máquina de escrever e Ofélia com seus comentários absolutos sobre sua vida. Um dia então a mulher compra um pinto, o que muda drasticamente a personalidade de Ofélia e vemos a narração da passagem de uma Ofélia adulta para uma Ofélia criança, mas com tal intensidade a passagem que entendemos além – Ofélia criança é como a mulher que se apaixonou, levada pelas emoções, abandonando os comentários absolutos e vivendo cada felicidade de cada momento.

-O grande passeio: É-nos apresentada Mocinha, velhinha que vive de caridade no Rio de Janeiro; perdeu dois filhos e o marido e vive há tanto tempo na casa de uma família que lhe fez caridade de um lugar para dormir que até já parece parte da família.
São apresentadas duas situações no enredo: a família adotiva de Mocinha precisa mandá-la embora para morar com uns parentes ricos; a segunda é a situação psicológica de Mocinha, que não recorda seu passado com clareza.
No desenrolar da história, os parentes não aceitam Mocinha e seu esquecimento vai sumindo: lembra-se dos filhos, de sua morte, do marido, da roupa que ele usava. E descobrimos que o grande passeio vai muito além do passeio de carro – é um passeio além da vida.

O livro foi escrito na linguagem introspectiva de Clarice (não existe noção de tempo e espaço, ou uma noção muito fraca; foca-se mais na emoção do momento e menos na ação seguinte do enredo) e mostra a frágil situação da mente humana ante as pressões sociais e internas.
A única felicidade que o livro busca é a banal; a felicidade, muitas vezes ignorada, dos pequenos momentos, das pequenas atitudes, dos pequenos gestos. Uma felicidade nova, que vai crescendo e para aquele ser, apenas, tem grande profundidade – felicidade, por exemplo, das tardes que a menina passou com seu livro, que para ela era como a felicidade da mulher com o amante; felicidade da menina diante do universo que o animal representava – o primeiro amor – e a reação diante da tristeza do final trágico; a felicidade da velhinha, sempre sorrindo, sem casa, sem amigos, sem família – sempre sorrindo, feliz diante da morte, diante do esclarecimento.

É a felicidade que possuímos que vai e vem, sem nos darmos conta: felicidade efêmera e de constante surgimento, felicidade que nos habita ilegalmente: felicidade clandestina.



Lucas Teixeira
XIII – III - XIV

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